quinta-feira, 25 de março de 2010

O diário de Léo Dragone


Por Nathália Barrenha

Em setembro do ano passado, um jovem baiano de apenas 19 anos roubou olhares na 14ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro: o modelo e ator Alex Bruno Rodrigues de Jesus estreava na literatura com seu romance Diário de Rafinha: As duas faces de um amor, no qual vinha estampado o pseudônimo do escritor e nome pelo qual é conhecido – Léo Dragone. Além de não gostar da ausência de sonoridade de sua alcunha de batismo, ele já levava o apelido de Léo desde pequeninho devido às corujices de uma das tias, e o Dragone foi escolhido por causa da paixão pelos dragões, habitués das histórias fantásticas de que o autor tanto gosta.


A trama de traços cinematográficos Diário de Rafinha conta a trajetória de um jovem de 17 anos que se apaixona desesperadamente pelo namorado da irmã e suas ações extremas para ficar junto ao rapaz, as quais não poupam nenhuma pessoa que se arrisca a entrar em seu caminho. O personagem é observado por um narrador onisciente que acompanha os fatos e os conta. Portanto, o livro não é um diário como o título pode sugerir, o diário é a chave que desencadeia o fim inesperado da narrativa. Em entrevista exclusiva à AIMÉ, Léo Dragone contou um pouco mais de sua vida e de seus trabalhos.


Fale um pouco da sua vida em Salvador e como você se interessou pela escrita.
Nasci no subúrbio ferroviário de Salvador, no bairro chamado Periperi, localizado na Baía de Todos os Santos, um dos pontos mais distantes do centro da cidade. Periperi não tinha lazer de forma alguma (quadra de esportes, cinema, shopping, lugares para pedalar, parque, praças e outras formas de entretenimento). A única opção era a praia. Suja, impregnada de lixo, onde desaguava o esgoto. Mas, mesmo assim, era onde eu, meus primos e irmãos nos divertíamos, pulando do cais, sem noção dos riscos que a brincadeira poderia ter. Além de ir à praia, roubávamos pitanga no quintal de um vizinho, e fugíamos escorregando com papelões pela ladeira de barro que dava dentro de um brejo. Outra brincadeira que virou moda foi tocar a campainha das casas alheias e sair correndo.
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Parei de estudar com 15 anos para trabalhar e ajudar minha família. Somente aos 18 fui ao cinema e ao teatro pela primeira vez. Agora, com 19 anos, faço cursinho para recuperar os estudos, teatro – que é a profissão que desejo seguir – e um curso de modelo.
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Com a literatura, tudo começou com a Taíse, minha irmã mais velha, que sempre gostou de ler e levava pra casa livros que pegava emprestados. Certa vez, peguei um desses livros e comecei a folheá-lo, olhando somente as figuras, mas não entendia direito por que estavam acontecendo determinadas coisas nas figuras. Para saber o que acontecia eu tinha que ler, e então comecei a ler sem conseguir parar. Não lembro o nome do livro nem do autor. Eu devia ter uns 9 anos. A história falava de uma adolescente apaixonada pelo garoto mais bonito do colégio. Mas ele era bonito só por fora. O cara era “galinha”, mau caráter e dissimulado. Enquanto morria de amores pelo bonitão, a garota vivia às brigas com seu melhor amigo, um nerd magricelo, “quatro olhos” e cheio de espinhas na cara, por quem acabou descobrindo que estava realmente apaixonada.
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Depois de ler alguns livros, incluindo Capitães da Areia, de Jorge Amado, me veio a paixão e a vontade de escrever. Não fiz nenhum curso de literatura. Minha primeira história infanto-juvenil foi Diário de Rafinha, que eu comecei a escrever com 17 anos e publiquei agora em 2009.
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O que me motiva a escrever é o meu gosto de contar histórias. Gosto de passar mensagens, viajar nos textos e principalmente do prazer de saber que em algum lugar do mundo existe uma pessoa que leu, está lendo ou vai ler uma história contada por mim. Sem contar no sonho que tenho de escrever novelas. Incrivelmente, não sei como, mas consigo prever alguns finais ou histórias que se desenrolam nas tramas!
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Quais são as suas maiores influências - não apenas literárias, mas também de outras artes?
Minhas influências para escrever foram os livros que li na infância, meu amigo e assessor Valdeck Almeida e os autores de novela como João Emanuel Carneiro, Glória Perez e Manoel Carlos. Como ator, sempre fui fã e tenho como figuras que me inspiram na arte do teatro Deborah Secco, Wagner Moura, Taís Araújo, Lázaro Ramos, entre outros.
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Você poderia falar de seu processo criativo?
É um pouco complicado, primeiro me vem a ideia inicial... Quando tudo está fluindo, quase sempre trava. Pode acontecer de eu escrever 50 páginas por dia ou não passar da primeira linha. Às vezes, passo dias, semanas ou meses sem escrever nada. Ou então escrevo 50 páginas e num surto rasgo tudo e jogo fora. Minha angústia maior é quando os personagens insistem em caminhar com as próprias pernas. Foi o que aconteceu no Diário de Rafinha.
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Não tenho ritual para escrever, pode ser no cinema assistindo a um filme, no ônibus, indo para a escola ou mesmo no mercado. Por isso já ando precavido com caneta e papéis nas mãos!
Conte um pouco de como foi escrever Diário de Rafinha.
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Na ideia inicial o personagem principal seria uma mulher. Mas aí empacou no primeiro parágrafo. Além do mais, ficaria muito comum uma mulher apaixonada pelo namorado da irmã. E como não consegui evoluir em cima disso, deixei de pudor e permiti que o personagem se desenvolvesse sem restrições.
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Certa vez, conversando com um amigo, ele me contou que um dos nossos colegas estava gostando dele e que tinha lhe confessado isso. Eu fiquei impressionado com o fato, e como meu amigo não deu chances para o apaixonado, a história não se desenrolou.
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Logo em seguida, assisti ao filme O Talentoso Ripley. Juntei as duas histórias e tive uma inspiração incrível que foi criar Diário de Rafinha.
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A escolha do universo adolescente veio porque a adolescência é uma fase bastante complicada, agitada e confusa. Não seria conveniente um adulto de cabeça formada e experiências sobre a vida tomar certos tipos de decisões que o protagonista tomou. Imediatamente imaginei que na adolescência existe essa coisa de processo existencial, a dúvida entre o bem e o mal, a rebeldia e a incerteza sobre os sentimentos e a própria sexualidade. A lição que eu tento passar através do texto é que nem sempre podemos seguir nossos instintos sem ter as consequências, sejam elas boas ou ruins.
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Quando escrevi Diário de Rafinha eu era muito menos experiente do que hoje; é incrível olhar pra trás e perceber que amadureci tanto em tão pouco tempo. Apesar de acreditar que é uma história boa, sempre a dúvida me cutuca: será que consegui passar a mensagem que eu queria? Será que as pessoas vão gostar da história?
O que me salva é que vários amigos já leram e me disseram que a história é muito boa, mas sempre me pego pensando se eu podia fazer melhor!
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Alguns escritores e críticos falam na existência de uma literatura gay. Você concorda com esse tipo de classificação?
Não concordo. Acho que a literatura é uma só, não importa se é uma ficção, biografia ou histórias baseadas na realidade, tampouco se fala de gays ou heterossexuais. Acredito que, independentemente das histórias, cada uma encanta, fascina ou intriga alguma pessoa.
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Você teve algum tipo de preconceito no mundo literário ao tratar da temática homossexual?
Até hoje não recebi nenhum comentário, nem passou pelo meu conhecimento nada parecido com preconceito. Mas estou aberto aos críticos. Acho que sempre tem alguém que direta ou indiretamente se incomoda com a produção alheia. E se isso acontecer com um livro tão leve como esse, escrevo um mais denso, ousado, erótico e, se duvidar, pornográfico, para dar motivos a eles de criticar. Além do mais, o que seria de nós se todo mundo achasse lindo o que a gente fizesse? Aí não teria graça.
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Eu escrevo para os meus leitores. Os temas e personagens representam assuntos e pessoas que existem no mundo real. Alguns deles são criações da ficção que a literatura permite ao escritor lançar mão. Se algum texto que escrevo incomodar alguém, esse texto cumpriu o objetivo, pois não faço literatura plana, não quero repetir o que já existe no mercado. Isso não quer dizer que eu faça polêmica pela polêmica, nem que eu escreva pensando em vender. Não. A polêmica dos meus escritos surge pela própria necessidade que o escritor tem de se indignar, de imprimir sua marca pessoal, de instigar o mundo e a sociedade a reverem pontos de vista, a analisar de novo, a tentar novas saídas. É claro que as críticas, no fundo, serão bem-vindas, na medida em que me derem combustível para a reflexão, para o debate. Essas críticas literárias, nesse nível, vão alimentar o meu processo criativo. As críticas de quem tem inveja ou daqueles que não entendem que o mundo é tão diverso, estas eu não farei o menor esforço para tentar entender.
Acho que tem um trecho do texto da peça Escombros, que estou ensaiando, que cabe muito bem para essa pergunta. Diz a seguinte frase: “Os ignorantes são sempre céticos ao receberem novas informações.”
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Como foi o lançamento na Bienal do Rio? Esse lançamento contribuiu para a repercussão do livro?
Essa foi minha primeira experiência numa feira internacional do livro. Sou muito crítico em relação aos textos que escrevo. E o fato de estar numa feira internacional, onde havia muitos artistas, escritores famosos e muitos livros sendo lançados ao mesmo tempo, me deixou pior ainda! Achei que não apareceria ninguém no coquetel do lançamento e me surpreendi quando meu assessor me avisou que todos os livros tinham sido vendidos.
Fiquei com a mão cansada de tanto autografar, mas no fim do dia, apesar do cansaço, eu estava feliz pela repercussão que o livro conquistou.
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Como foi escrever um romance sobre um gay sendo um heterossexual?
No início, quando resolvi metamorfosear a personagem principal de uma garota para um garoto, imaginei que viessem comentários, que pensassem ou afirmassem que eu era gay. E foi o que aconteceu. Mas isso não tem importância, pois acredito que todos somos iguais, independentemente de raça, orientação sexual, religião ou classe social. Não sou gay, mas tenho amigos gays, o que me ajudou a desenvolver o personagem.
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E os planos a partir de agora? Tem algum livro no forno?
Estou me dedicando ao teatro, ensaiando a peça Escombros, que entra em cartaz em janeiro. Mesmo assim, reservei um tempinho para escrever a minha segunda obra, que teve seis meses de trabalho. Provisoriamente se chamará Morte, Paixão e Mistério em Rainy City. Esse livro conta a história de uma cidade fictícia, onde se esconde um psicopata colecionador de olhos, dando um clima denso à vida de Clarissa e Apolo, dois irmãos de pai e mãe que se apaixonam perdidamente.
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Mas isso não é tudo... Estou agora na minha terceira criação literária, que também tem um nome provisório, Narciso Monarazo - A biografia de um garoto de programa. O livro conta a história de um adolescente que faz programa pela primeira vez acidentalmente. Acaba gostando da experiência, por ser com uma pessoa pela qual ele se sentiu atraído. Pensando que dali em diante seria tão fácil como a primeira vez, ele se envolve com outras pessoas e entra para a prostituição. Então, o rapaz percebe que não era bem o que ele pensava e que sair daquela vida não é tão fácil como imaginava. O garoto vai se afundando ainda mais e a situação piora quando ele comete um crime sem querer. Daí ele perde-se no mundo das drogas, tornando a saída da prostituição ainda mais difícil. Nesse livro não pouparei palavras, muito menos cenas de sexo, que serão contadas de forma grotesca e podre, relatando os segredos mais ardentes e dissimulados de cada personagem. O livro contará com um diálogo jovial, já que a história é composta por adolescentes. Acho que esse será mais denso e polêmico do que o Diário de Rafinha.
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Em algum de seus livros você trata de experiências pessoais?
Houve uma fase na minha vida em que eu me sentia confuso pelo fato de ter que parar de estudar e começar a trabalhar, enquanto meus amigos dormiam até tarde e saíam para se divertir. Isso me deixava um pouco mal e comecei a ter distúrbios de rebeldia, discutindo com meus pais e os desobedecendo em tudo.
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Essa foi uma das características que tirei de mim e adicionei ao Rafinha. Assim também como a rivalidade que criei entre ele e o Olavo foi resultado de uma experiência que tive no colégio. Andava brigando com um colega de sala e levamos essa antipatia até o fim do curso, mas nada comparado à rivalidade dos dois personagens (risos)... A minha era só briga de colégio mesmo.
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Após ler Diário de Rafinha e ver as sinopses de seus novos livros, me chamou a atenção a atração que você tem pela polêmica, e o fato de que seus livros têm algo de thriller. Você poderia falar um pouquinho sobre isso?
Acredito que cada escritor tem uma marca, cada artista opta por um assunto a ser tratado, e eu opto pela polêmica e as histórias não convencionais.
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Tanto no teatro, na literatura ou mesmo na passarela gosto de inovar, criar, ousar, despertar no público uma emoção, passar pra ele uma mensagem através da minha arte, causar sentimentos de indignação ou aceitação. Acho que se todo mundo cantasse, interpretasse e pintasse do mesmo modo, aí não seria mais arte, porque arte pra mim é inovar, derrubar padrões e tabus e despertar no público emoções que só podem ser despertadas através da arte.
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Quanto ao thriller, realmente é uma característica de minhas obras. Tenho paixão e gosto das coisas diferentes e às vezes até um pouco macabras; adoro assuntos que tratem da mente do ser humano, da loucura. Aliás, esse tema vai estar muito presente no segundo livro, pois gosto de contar o que muita gente é capaz de fazer para alcançar seus objetivos. Personagens assim estão presentes nos meus três livros. Claro que lapidando, exagerando um pouco e às vezes dando uma dosagem menor para que não fique repetitivo nem contando histórias já contadas. Como sempre, fugindo do convencional!
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Blog de Léo Dragone: http://leodragone2009.blogspot.com/

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