segunda-feira, 31 de maio de 2010

Abre a boca Calabar X Cala a boca Calabar

Faço jornalismo Faculdade Social/Faculdade da Cidade. Meu compromisso sempre foi com o social, com a minoria. Na faculdade, aprendi que minoria não significa menor número de pessoas, mas pessoas sem voz, sem oportunidade, esquecidas.

O jornalismo baiano é feito pela classe média, para a classe média. As manchetes traduzem esta leitura: “Tiroteio no Calabar assusta Jardim Apipema”

A imagem do bairro é construída todos os dias com reportagens que só mostram o lado negativo do lugar. A Pituba é o bairro mais violento de Salvador, segundo estatísticas da Polícia Militar. Mas os bairros populares é que aparecem como foco de bandidagem, de tráfico de drogas, de assassinatos, de desrespeito às leis.

AÇÃO EXTERNA
Para quebrar este paradigma, para desconstruir esta visão estereotipada, mostrar o outro lado, divulgar a luta diária dos moradores por cidadania, o jornalista tem que conhecer, visitar, conviver no ambiente para tirar conclusões e não ser injusto. Afinal, o papel social do jornalista é intrínseco à profissão, cujo nome primário é Comunicação Social.

AÇÃO INTERNA
Apoio a ONGs ou pessoas que incentivem a politização dos moradores, promoção da cultura, cidadania, educação, reflexão e visão crítica, com vistas à melhoria da auto-estima e à autonomia.

“Cala a boca Calabar”, livro de Fernando Conceição, nascido e criado no Calabar, fala sobre a luta política dos favelados. A obra serviu de inspiração para o lançamento do livro “Abre a boca Calabar”, com poesias das crianças do bairro. Esta publicação fala de alegria, de esperança, de valorização da comunidade e de orgulho de pertencer a este lugar.

É uma pequena contribuição que foi abraçada pela Biblioteca Comunitária.

domingo, 30 de maio de 2010

"Selvador", civilização em ruínas?

No caminho para as duas últimas apresentações d’Os Javalis, em Camaçari, deparei-me com uma grande construção à esquerda da pista, saindo da Avenida Paralela. Ao perguntar o que seria aquilo, a resposta – quase que natural e óbvia das pessoas – foi que ali seria o Norte Shopping, ou algo que o valha.
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Como já disse tantas vezes, Salvador é uma cidade boa pra tomar cachaça e beijar na boca. A referência explícita à idéia de um balneário, de um lugar de diversão e festa, se alia aos grandes programas do soteropolitano nos finais de semana. Se não se está na praia, se está no xópim. Ou numa daquelas festas adolescentes que os marmanjos retardados culturais passam a vida freqüentando.

O Teatro Maria Bethania fechou, virou bingo. O Iemanjá serve mais a colégios e formaturas. O Espaço Xisto Bahia está em reforma há tempos, bem como o Solar Boa Vista (ambos do Estado), onde fui ensaiar Os Javalis e, após reforma anunciada pelo Governo, as goteiras ainda caíam no palco; uma lástima.

Se formos falar da prefeitura da cidade, vira piada. Não temos um teatro municipal, o único espaço de apresentações, o Teatro Gregório de Mattos, está fechado e não vemos nenhum movimento para que a prefeitura da cidade tenha uma relação obrigatória e automática com a cultura da cidade. Passe-se em branco e fica-se por isso mesmo.

Agora, em meio à reforma do Teatro ACBEU, recebemos a notícia que o Teatro Jorge Amado vai fechar. Um teatro particular, que, diferente de alguns outras da cidade, não recebia mesada do governo e vivia das pautas, caras e sempre cheias, advindas de um processo quase que natural de peças com caráter extremamente comercial, possibilidade plausível de se tentar sustentar os custos da casa.

Mas não deu. O espaço será leiloado, possivelmente, por não ter conseguido cumprir um empréstimo feito ao Desenbahia. Ficaremos sem mais um teatro na cidade, não sabemos por quanto tempo, isso aventando a possibilidade mínima de que quem compre resolver reabri-lo; o mais fácil é virar um prédio de negócios na árida Pituba burguesa.

É engano achar que uma cidade como Salvador chegará algum dia ao status de metrópole civilizada culturalmente de forma natural e espontânea. Vivemos numa terra onde nossa cultura que é exaltada pela TV, pelos folclores sobre nosso povo, está vinculada a mijar na rua, a falar alto e ser esculhambado, a requebrar, a tomar todas, a pegar mulher, a se embriagar na praia ou nos ensaios de pagode e música de carnaval, vivemos uma cultura rasteira e folclórica que, ao invés de ser dosada com antídotos de sofisticação, simplesmente fica sendo exaltada como identidade.

É sempre bom lembrar que a iniciativa de Edgar Santos, de tornar Salvador um centro de excelência e vanguarda do mundo, na década de 50, foi combatida por jornais, pelos estudantes da Universidade Federal da Bahia em passeatas, enfim, uma política cultural efetiva tem que ser estruturada, organizada e imposta. A criança sempre preferirá o chocolate à sopa; o povo sempre preferirá o raso ao profundo.

Ambos podem coexistir, e ambos se alimentam. Não existe fundo sem raso, nem raso sem fundo. São complementos do universo. Pra que exista o belo,

precisamos da referência do feio. Pra que exista o leve, precisamos conhecer o pesado. Com uma referência só, a cabeça entra num estado letárgico de aceitação e preguiça; e é isso que vemos na cultura soteropolitana.

É preciso lutar pra que a Prefeitura de Salvador tome vergonha na cara. É preciso lutar pra que o Governo do Estado olhe mais pela outra arte, aquela que não flui naturalmente pelas praças e becos da cidade. É preciso que a iniciativa privada, que enche os bolsos de dinheiro, entenda seu papel social de fomentar um desenvolvimento da sociedade, e não se preocupe apenas em vender suas marcas em camarotes de carnaval e eventos popularescos, no famoso capitalismo selvagem que não percebe que noutros centros a economia da cultura é uma realidade que permite investimento em orquestras, companhias de dança, galerias de arte particulares, teatros e espaços culturais.

Mas por enquanto, o que temos é a construção de novos xópins e o fechamento de velhos teatros. "O teatro é um avançado meio de civilização, mas não progride onde não a há", dizia Almeida Garret. E regride onde a civilização é trocada pela barbárie.

Autor: Gil Vicente Tavares (Autor e Diretor da peça OS JAVALIS)